Judiciário goiano reconhece prorrogação de dívida rural sem negativa formal de banco em decisão inédita
Uma decisão inédita do Judiciário goiano pode representar um marco para os produtores rurais do Estado. Pela primeira vez, a Justiça reconheceu a possibilidade de prorrogação de dívida rural mesmo após o vencimento do contrato e sem que a instituição financeira tenha emitido negativa formal ao pedido administrativo.
Até então, a jurisprudência majoritária em Goiás exigia que o produtor solicitasse a prorrogação antes do vencimento da parcela e que houvesse uma recusa expressa do banco para que o caso pudesse ser levado ao Judiciário. O novo entendimento rompe com essa prática, ao considerar que a ausência de resposta da instituição já caracteriza violação ao direito do produtor.
A decisão foi obtida pela advogada Márcia de Alcântara, especialista em Direito Agrário e do Agronegócio e integrante do escritório Celso Cândido de Souza Advogados. O caso envolve um agropecuarista de Goiânia, que possui uma dívida de R$ 1,2 milhão e tentava renegociar o contrato há mais de um ano junto a uma cooperativa de crédito.
“Essa decisão é inédita porque rompe com a prática consolidada de exigir a negativa formal do banco para que o produtor rural possa acionar o Judiciário. O juiz reconheceu que a simples ausência de resposta já autoriza a judicialização, permitindo o prolongamento da dívida mesmo sem manifestação expressa da instituição financeira”, explica a advogada.
Segundo Márcia, a tese da defesa se baseou na omissão do Sicoob, caracterizada como negativa tácita diante do prazo legal de resposta. “Argumentamos que a inércia da instituição financeira não pode ser usada como escudo para impedir o exercício do direito de ação. O juiz acolheu essa tese, reconhecendo que a omissão não pode obstruir o acesso ao Judiciário”, complementa.
Relevância para o setor produtivo
Para os produtores rurais, a decisão tem efeito prático imediato. “O produtor, diante da ausência de resposta, ficava em situação de insegurança jurídica e vulnerabilidade econômica. Essa decisão garante que ele não seja penalizado pela omissão do banco e possa buscar a reestruturação da dívida, preservando sua atividade produtiva”, ressalta a advogada.
O direito à prorrogação de dívidas está previsto no Manual de Crédito Rural (MCR 2.6.4), que disciplina as condições básicas do crédito rural sem exigir solicitação prévia antes do vencimento. Apesar disso, decisões judiciais anteriores frequentemente condicionavam a prorrogação a esse requisito administrativo, o que, segundo especialistas, contraria tanto a norma quanto o papel constitucional do crédito rural como instrumento de política agrícola.
Potencial de precedente
Embora ainda seja uma decisão isolada, a medida pode abrir precedente para outros casos semelhantes. “Essa decisão tem potencial para influenciar outros julgadores, ao mostrar que a omissão do banco não pode impedir o acesso à Justiça. Se esse entendimento for replicado, poderemos ver uma mudança de jurisprudência no Judiciário goiano, ampliando a proteção ao produtor rural”, avalia Márcia de Alcântara.
A fundamentação jurídica da defesa teve como base o princípio constitucional do acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal) e o dever de boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil), que impõe às instituições financeiras a obrigação de agir com lealdade e cooperação na execução contratual.
“O silêncio injustificado diante de um pedido legítimo frustra a expectativa do contratante e viola os padrões éticos exigidos nas relações negociais. Por isso, conseguimos demonstrar que a ausência de resposta configura negativa tácita, legitimando o acesso ao Judiciário”, conclui a advogada.

