Mato Grosso e Mato Grosso do Sul concentram 37% das recuperações judiciais no campo

Quatro em cada dez produtores rurais que ingressaram com pedido de recuperação judicial em 2024 atuam em Mato Grosso ou Mato Grosso do Sul. Os dois estados concentram 357 dos 975 pedidos apresentados à Justiça por produtores do setor agropecuário neste ano, de acordo com levantamento da Serasa Experian divulgado no início de abril.
Considerando também empresas ligadas ao agronegócio, os dois estados totalizaram 1.272 recuperações judiciais ao longo de 2024 — número mais que o dobro do registrado em 2023, quando foram contabilizados 534 pedidos.
Segundo o advogado Marco Aurélio Mestre Medeiros, especialista em recuperações judiciais, diversos fatores têm contribuído para esse cenário crítico, com destaque para o aumento das taxas de juros. “Em primeiro lugar, sem dúvidas, foi o aumento dos juros cobrados nas operações de crédito destes produtores. E este crescimento é balizado justamente pela política do Banco Central, que só em dezembro elevou a taxa Selic em 1 ponto percentual”, destaca.
Outro fator que impacta diretamente a sustentabilidade financeira dos produtores é a restrição de crédito. Segundo Medeiros, muitos enfrentam dificuldades em obter recursos para custear suas safras ou acessam financiamentos com juros elevados, comprometendo a rentabilidade. “A conta não fecha, porque os juros levam mais do que o lucro projetado por estes produtores no momento do plantio”, afirma.
Além do crédito, o custo elevado dos insumos agrícolas tem pressionado os produtores. Dados apresentados durante o evento “Benchmark Agro”, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), indicam alta nos preços de fertilizantes, sementes e outros componentes essenciais à produção. “O produtor tem aí importantes fatores do processo de produção drenando seus recursos. Por um lado os juros elevados que encarecem o crédito e, por outro, fertilizantes e sementes cada vez mais caros, o que dificulta a obtenção de lucro na hora da comercialização”, completa o advogado.
Nesse contexto, muitos produtores acabam perdendo patrimônios construídos ao longo de gerações para bancos e credores. “E isso, para além destas perdas, inviabiliza a continuidade dos negócios, gerando um efeito em cadeia que resulta em desemprego e na perda da riqueza gerada pelo agronegócio para o país”, alerta Medeiros.
Em resposta a esse cenário, uma mudança na legislação em 2020 passou a permitir que produtores rurais atuando como pessoa física pudessem ingressar com pedidos de recuperação judicial, o que antes era restrito a empresas. “Foi uma mudança muito importante. Se antes a crise era a certeza do fim das atividades, com este instituto é possível reestruturar a atividade para que o trabalho prossiga”, explica.
A recuperação judicial para produtores pessoa física segue os moldes do procedimento tradicional, incluindo a blindagem contra ações de cobrança, nomeação de administrador judicial e a negociação das dívidas sob supervisão da Justiça. “Na maioria dos casos, a empresa consegue prosseguir com suas atividades normalmente após a recuperação judicial”, afirma Medeiros. “E, com isso, há justamente aquilo que o legislador queria quando incluiu produtores rurais na lei: a preservação da atividade econômica, do emprego e da renda.”